terça-feira, 10 de novembro de 2009

O mito em torno de "Remover Hardware com Segurança".

Este mito é bem recente. Nem de longe é tão antigo (e difícil de combater) quanto o mito da necessidade de estabilizador, que impera no Brasil desde o PC XT (1982). Eu diria que ele começou a se formar em 2000, por causa do Windows 2K, mas só ganhou força mesmo com a popularização do Windows XP e, principalmente, dos pendrives.

A maioria das pessoas parece acreditar que se você desplugar um pendrive do computador sem primeiro seguir todo o ritual envolvendo o ícone "Remover Hardware com Segurança" (vou chamar de "RHS" daqui em diante), uma ou mais dessas catástrofes vai acontecer:
  • Vai fritar o pendrive;
  • A porta USB vai pro beleléu;
  • Seu gato vai morrer de fome;
  • Um tsunami vai varrer Brasília (humm... se fosse só no Congresso...);
  • etc..

O engraçado é que a maioria nem sabe qual o real motivo para o procedimento existir. Para mim toda essa preocupção é desnecessária e até cômica (como quando alguém faz aquela cara de espanto quando puxo meu pendrive de vez).

Quando você segue o ritual, o Windows se certifica do seguinte:
  • Que nenhum arquivo no pendrive esteja em uso. Se estiver, diz que você não pode fazer a remoção;
  • Que não haja nenhuma operação de escrita (cache) pendente para ele.;
Para evitar que você siga o procedimento, demore a retirar o pendrive e acabe fazendo algo perigoso para os dados nesse meio tempo, o Windows desconecta o pendrive logicamente (até onde sei, não é uma desconexão física) e ele some do Explorer. Pode ser até que o Windows faça mais alguma coisa, mas não acredito que seja relacionada com hardware.

Elementos que confirmam minha crença:
  • Apenas dispositivos do tipo "mass storage" habilitam o procedimento RHS. Sua webcam aparece na lista de dispositivos a remover com segurança? E a impressora? E o adaptador Bluetooth? Mouse e teclado também não? O que exatamente existe de "mais delicado" entre um pendrive e um (mais caro) adaptador bluetooth USB para que eu possa remover este último sem precisar me preocupar com nenhum ritual preparatório?;
  • A Microsoft, aprendendo com as reclamações oriundas do Windows 2000, desligou no XP (por default, mas pode ser religado) o cache de escrita para discos removíveis e eliminou a mensagem de alerta. Assim você puxa de vez o pendrive e não recebe mais aquele aviso chato do Windows 2000. Se o problema fosse relacionado com hardware eu não creio que a MS teria seguido por esse caminho e sim teria reforçado os avisos.
Esta é a (irritante) mensagem que aparece no Windows 2000 sempre que você puxa o pendrive sem seguir o procedimento RHS:


Esta mensagem aparece apenas para dispositivos "mass storage". Se você usa Windows 2000 puxe o cabo da impressora, do mouse, do teclado, da webcam... e veja se o Windows faz a menor objeção.

Perceba que o texto da mensagem não menciona dano ao hardware. "Falhas no computador" é uma expressão genérica que não está centrada em hardware. O fato é que puxar o pendrive com um arquivo aberto pode fazer com que o programa que usava esse arquivo tome diversas atitudes que vão desde uma inócua mensagem de erro até entrar em um loop consumindo 100% da CPU e travando o computador. Nada a ver com hardware, mas produz uma "falha no computador" assim mesmo.

Eu tentei encontrar evidências do ponto de vista eletrônico para a alegação de que simplesmente puxar o pendrive pode danificar o hardware, mas não encontrei nenhuma. Pelo contrário: USB é e sempre foi explícitamente uma tecnologia "hot plug". Não existe "hot plug" se você tem que pedir permissão para remover o dispositivo. E no plug USB os pinos de alimentação são propositalmente mais longos que os de dados justamente pensando nisso.

Na especificação USB (documento oficial do padrão) eu só encontrei citações que reforçam o meu ponto de vista (destaques em negrito são meus):

4.6 System Configuration

The USB supports USB devices attaching to and detaching from the USB at any time. Consequently, system software must accommodate dynamic changes in the physical bus topology.

...

7.2.4.2 Dynamic Detach

When a device is detached from the network with power flowing in the cable, the inductance of the cable will cause a large flyback voltage to occur on the open end of the device cable. This flyback voltage is not destructive.

...

9.2.1 Dynamic Attachment and Removal

USB devices may be attached and removed at any time. The hub that provides the attachment point or port is responsible for reporting any change in the state of the port.

Como experiência adicional (mas não muito científica), eu coloquei um multímetro na alimentação de uma das portas USB do meu PC e me certifiquei de que media 5V, conectei um pendrive nessa porta e segui o procedimento RHS para fazer a ejeção. O Windows "desconectou" o pendrive, mas em nenhum momento a tensão no mesmo deixou de ser 5V. Ou seja: se você acredita que o procedimeno remove a alimentação do pendrive, está enganado. Isso pode até ser verdade em alguma placa-mãe, mas eu honestamente duvido disso.

A fé nesse mito já se espalhou para longe das fronteiras da informática. E por isso já tem gente por aí inventando seu próprio ritual para conectar e desconectar pendrives nas portas USB de DivX players. O fato de não existir uma opção "ejetar USB" nesses aparelhos deveria servir de dica de que o procedimento não é necessário, mas a fé no mito é tão grande que algumas pessoas preferem acreditar que os fabricantes de DivX players (Philips, LG, Pioneer, etc) não estão dando a devida atenção ao problema.

Fato: Desconectar um pendrive repentinamente pode (não necessariamente vai, a não ser que você use Linux) fazer com que você perca os dados que estava escrevendo(veja nota abaixo) nesse pendrive. Se você conectou o pendrive apenas para ler seu conteúdo, nada vai acontecer (nem ao hardware, nem aos seus dados) se você desconectá-lo repentinamente.

Nota: conforme foi bem lembrado nos comentários, todo o conteúdo do pendrive pode ser perdido e não apenas o que você estava escrevendo. A FAT pode ser corrompida e requerer formatação especial.

Até que alguém apareça com evidências técnicas do contrário, o resto para mim é mito.

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